Textos de Oficina - Sonho Alado, de Sandra M. de Almeida Silva

Sonho Alado

           Era uma vez um peixe dourado que vivia no mar azul, próximo à beira da praia. Numa manhã de verão, ele pensou em como seria bom voar. Nadar era quase isso, mas ele observava os pássaros lá no alto e sentia sempre o mesmo desejo de mover-se no ar como eles. O fato é que não poderia jamais sair da água, e isso o entristecia. Além disso, voar como – perguntava-se ele – se morria de medo de altura? O tímido peixe evitava até mesmo aventurar-se nas profundezas marinhas.
          Quando anoiteceu, o mar estava calmo e transparente como nunca. Dava para flutuar sob a superfície sem esforço, apenas com leve movimento das nadadeiras e, desse modo, conseguir admirar com calma o céu estrelado. Assim ele estava quando, de repente,  uma estrela cadente de cauda longa e brilhante cruzou o céu escuro. O dourado – que sempre ouvia falar no poder que as estrelas cadentes têm de realizar os desejos mais impossíveis – nem pestanejou. Simplesmente fixou os olhos naquele espetáculo de luz e encheu seu coração com a vontade de pairar sobre a superfície e admirar o mundo lá de cima. Isso durou um segundo, ou menos ainda, mas, sem saber bem por que, o peixe sentiu-se muito mais leve depois. E leve foi seu sono em seguida.
         No outro dia, bem de manhãzinha, quando o sol nem havia saído direito ainda, ele já estava acordado e muito feliz. Nem lembrava mais das noites escuras e dos mares revoltos pelos quais tinha passado tantas vezes pensando, quase sem esperança, em como realizar o seu desejo.
         Durante aquela manhã, preocupou-se somente em nadar, observar os corais e conseguir alguma comida. Nadou devagar até chegar a uma enseada de águas límpidas; olhou para cima e se encantou com a beleza dos juncos e da vegetação costeira. Insetos reluzentes voejavam entre as muitas flores, cujos caules pendiam em arco sobre as águas. Pareciam querer contemplar a própria beleza no espelho sereno do mar. O dourado ficou extasiado! Talvez elas sempre estivessem lá e só agora ele as tivesse visto. Quem sabe mesmo o peixe distraído nunca tivesse passado por ali.
            E foi assim que, pela primeira vez, o dourado avistou uma enorme e colorida borboleta. Era uma borboleta de asas muito finas e leves, de movimentos graciosos, voando em círculos, ora mais cima, ora para baixo, beijando a flor amarela, depois a vermelha, e aquela outra mais ali – esvoaçante e livre! Como se o provocasse, ela fazia voltas no ar puro da manhã, vinha e bordejava acrobacias por sobre a superfície onde ele estava – será que o teria avistado também? – e ele podia até sentir as asas dela sob o céu lilás e ensolarado.
            O dourado ficou assim – em puro estado de admiração – horas a fio, até que percebeu a noite crescendo. Sem se dar conta do tempo passando, havia voado com a borboleta o dia inteiro. Cansado, porém feliz, foi aconchegar-se na beira da praia e ficou pensando na sua amiga vibrante até dormir.
          Durante o sono, teve sonhos incomuns para um peixe – cheios de cores, perfumes, sons e texturas que nunca antes tinha experimentado. Mesmo sem nunca ter saído de dentro d'água, agora sabia de verdade como era bom voar! O que ele nem imaginava é que a borboleta colorida também teve sonhos dourados naquela noite, enquanto dormia tranquila sobre as pétalas de um jasmim.

Texto escrito por Sandra M. de Almeida Silva, no dia 03/05/13, durante a oficina Eu, leitor criança: a aventura e o compromisso de escrever para crianças, na livraria Paulinas.

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